Em um mundo cada vez mais desconectado de suas raízes emocionais, bonecas hiper-realistas estão ocupando o lugar de filhos nos lares — e nos corações — de milhares de pessoas. Isso é loucura? Ou é só a dor tentando ser acolhida?
O afeto que não teve lugar
Na semana passada, uma história inusitada percorreu os sites de notícias: uma mulher, em Goiânia, procurou a Justiça para disputar a guarda de uma boneca reborn após o término do relacionamento. O ex-companheiro se recusava a “devolver” a boneca, alegando forte apego emocional.
A princípio, pode parecer um exagero. Mas essa não é uma exceção. É um fenômeno crescente.
Adultos — em especial mulheres — estão cuidando dessas bonecas hiper-realistas como se fossem filhos de verdade. Elas têm nomes, certidões de nascimento, quartinhos decorados e até perfis nas redes sociais. São vestidas, alimentadas com mamadeiras e levadas em carrinhos para passeios no parque.
Mas o que de fato está por trás desse comportamento?
Não é só uma boneca. É um símbolo.
O olhar superficial chama de “carência”. Mas quem tem sensibilidade — ou quem conhece as Constelações Familiares — entende que estamos diante de algo mais profundo: uma dor emocional que encontrou uma forma de se expressar sem precisar gritar.
Essas bonecas muitas vezes representam filhos que não nasceram, que foram abortados ou perdidos em gestações traumáticas. Outras vezes, representam a criança que a própria mulher foi e que nunca recebeu colo, cuidado, afeto.
No campo sistêmico, tudo que foi excluído ou não honrado reaparece — de formas inesperadas.
A dor precisa de um lugar. E encontra.
Nas Constelações Familiares, aprendemos com Bert Hellinger que tudo que foi esquecido, ignorado ou rejeitado na história de uma família busca uma forma de voltar à consciência. A boneca se torna um símbolo, um mensageiro, uma tentativa inconsciente de dar lugar ao que foi negado.
É como se a alma dissesse:
“Agora eu vejo. Agora eu cuido. Agora eu acolho o que não teve espaço.”
Cuidar de um bebê reborn, para muitas mulheres, é uma forma de reparar, de preencher um vazio. Mas também é, muitas vezes, um pedido de ajuda que vem do corpo, do comportamento — quando as palavras não dão conta.
É preciso ter um olhar atento sobre esses movimentos. Por trás de cada bebê reborn, pode haver um luto silencioso, um parto interrompido, um amor que ficou no meio do caminho.
Na terapia sistêmica, acolhemos esse símbolo. Não julgamos. Investigamos o que ele quer dizer. Porque o que parece estranho aos olhos do mundo, muitas vezes é só o trauma tentando sobreviver de um jeito criativo.
Uma pergunta para você
Você consegue olhar para essa história com empatia?
Será que há algo na sua vida que você tenta substituir por símbolos? Um filho que não teve? Um amor que nunca pôde viver? Uma mãe que nunca te viu de verdade?
Se algo dentro de você tocou ao ler esse texto, talvez não seja sobre bonecas. Talvez seja sobre você.
Terapeuta integrativa. Constelação Familiar e Reiki. Psicoterapeuta. Graduada em Psicologia desde 2008. Insta: @gabybernardi.
gabibernardi@yahoo.com.br
A mãe e o dinheiro: um relacionamento que molda o nosso sucesso
O filho crônico: aquele que não pretende sair da casa dos pais